terça-feira, 9 de setembro de 2008

PÉROLAS DO SABER TEATRAL

PÉROLAS DO SABER TEATRAL
O grande ator nacional João Caetano, tentou formar uma escola de teatro no século 19, seria a primeira do Brasil, e muito antes de Stanislavski tentou criar métodos e tecnologias para representação. A partir deste número pinçaremos alguns de seus ensinamentos, que datam de 1837 e foram retomados em 1861, numa obra a que ele chamou de "Lições Dramáticas". Aos olhos de hoje muito divertidas e curiosas.
"Senhores! A morte e o desmaio que o ator tem necessariamente de imitar muitíssimas vezes, precisam de apurado estudo, para não continuarem aí nos teatros a desmaiar e morrer, como até hoje, sem arte e sem o bom senso, querendo alguns atores imitar estas realidades deitando unicamente no rosto uma porção de alvaiade, enfraquecendo um pouco a voz e atirando-se desapiedadamente contra o tablado ...Se a morte é proveniente de moléstia, o ator, se nunca viu morrer ninguém daquela que tem de imitar, se não tem original a seguir, procure indagar e saber mesmo de algum médico como o homem finaliza a vida com tal enfermidade; porque a morte do envenenado não é como a do tísico ou hidrópico, a morte proveniente de uma bala ou da ponta de um ferro que atravesse o âmago do coração do homem é instantânea, e aqui tem lugar a parte mecânica na maneira da queda, porque tendo de morrer por este ferimento, deve cair como cai um corpo morto, isto é, afrouxando os joelhos e as juntas dos quadris, assentando logo as nádegas no chão e rapidamente as costas, sem movimentos nem contorções; porque qualquer cadáver posto de pé, bem perpendicular, logo que o larguem, cai da maneira que acima descrevi. Se, porém, a ferida não ataca tão de perto o órgão da vida, o homem a conserva ainda por alguns instantes: então é diferente a maneira de cair, e quase que regularmente para o lado, devendo o ator, para cair assim, dobrar mui frouxamente o pé do lado da queda,assentando logo o tornozelo sobre o terreno, dobrando mui ligeiramente o joelho, onde recebera a primeira pancada do lado externe dele; os quadris, que também se dobram frouxamente, apanham do lado próprio a segunda, e o braço, quase estendido, recebe a terceira pelo lado interno.
Quebrada assim a força da pancada nestes três pontos do corpo, o ator pode cair sempre sem receio de magoar-se nem sofrer a menor lesão no seu físico; porque, atirando-se brutalmente contra o terreno, arrisca-se a quebrar as costelas ou braços, ou mesmo a ofender algum órgão que o impossibilite para sempre; por isso aconselho a todos que é muito melhor cair sempre do lado direito, para poupar ao coração um abalo próximo e desagradável.
Nesta segunda maneira de imitar a morte é dado ao ator querer levantar-se, lutando com a aflição e a ânsia; as mãos movem-se e procuram instintivamente, porque parece, senhores, que nesta hora suprema em que a alma esta pronta a desatar o nó terrestre, o homem quer lutar com a chegada terrível da morte; seus derradeiros movimentos, seus gestos convulsivos, tendem a aproximar dele tudo o que o rodeia, e ao passo que a vida o abandona, tenta agarrar-se as coisas da terra.
Homens tem havido que, recebendo uma punhalada ou um tiro, correm a algumas distâncias e caem de bruços; isto significa que o órgão foi ofendido de modo a conceder ainda alguns segundos de vida, e que o instinto da conservação ou a idéia de apossar-se do seu assassine lhe dá forças sobrenaturais que pouco duram, e quando caem é completamente morto.
Quando eu, senhores, criei o papel de André na Gargalhada, fui estudar no hospital, como ali estudei sempre todos os doidos que reproduzi em cena. Nessa ocasião, pois, estudei um que mais se adaptava ao caráter da personagem que eu queria representar: os movimentos, as posições, a fisionomia, imitei com todos os perfeitos traços da loucura; porém a gargalhada nervosa, que devia dar repetidas vezes, conquanto a tivesse muito dominada e apropriada estava sempre na desconfiança se seria verdadeira. Por isto fui consultar com um dos primeiros médicos desta Côrte, o Sr. Dr. Silveira, e depois de aprovar em sua casa o meu riso nervoso, subi no palco cheio de confiança no trabalho e o público o acolheu benignamente... ( Nota: O Ponto alto da peça, e que o público aplaudia, e que marcou a carreira de João Caetano era esta gargalhada nervosa, relatam os historiadores de teatro)
0 desmaio tem as mesmas proporções no estudo: aquilo que obriga ao desfalecimento com a perda dos sentidos e da cor do rosto, deve ser escrupulosamente examinado pelo ator, porque o desmaio, a não ser por enfermidade, nunca aparece isolado : há sempre um motivo que o determina. Fica portanto entendido que se ele se origina de um susto, não deve ser semelhante àquele que nasce de uma dolorosa emoção, ou de uma notícia tão aprazível quanto inesperada; forçoso é portanto que o ator estude bem a causa, para reproduzir o verdadeiro efeito. "

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